Este texto é dedicado a um grupo especial de pessoas que têm vontade de possuir alguma crença espiritualista, mas que não encontraram razões convincentes que fundamentem sua crença. Essas são pessoas questionadoras, mas que não têm preconceitos nem repudiam a ideia de “crer”, porém não encontraram um caminho possível para essa crença. Sobre elas pesa-lhes a descrença, como um fardo de desencanto e pessimismo, ou sentem-se aprisionadas no cárcere do ceticismo.
Este não é um texto para ateus convictos. Não pretendo
convencer àqueles que se acham possuidores da razão, nem tenho a pretensão de
solucionar tão difícil dilema. Eu encontrei o meu caminho para a crença sem
abdicar da razão, mas antes é preciso também criticar e reconhecer os limites
disto que chamamos de “razão”, e dos valores vigentes no atual contexto social.
Quem sabe alguém possa encontrar nestas palavras, reflexões que lhes ajudem a
rever seus conceitos de fé e ceticismo.
É preciso refletir primeiramente sobre a forma na qual
somos ensinados a questionar as coisas. Todo questionamento é construído sobre
um paradigma específico. Um paradigma é um conjunto de idéias e pressupostos
que formam uma visão de mundo. Vejamos a figura abaixo:
Nessa figura um engenheiro hidráulico e um biólogo
observam sob suas perspectivas um rio ou córrego. As perguntas que o engenheiro
fizer só permitem respostas que refletem o paradigma do engenheiro. O mesmo
serve para o biólogo. As perguntas já possuem disfarçadamente uma visão de
mundo que impede outro nível de percepção. Não podemos refletir sobre crença e
descrença sem antes refletir sobre os valores que nos influenciam e a partir de
que ponto de vista estes valores nos leva a formular nossos questionamentos. De
outra maneira estaremos em um labirinto sem saída. É como usar um copo d’água
para abrir uma fechadura ao invés de uma chave. Se você nunca viu uma chave e
tudo que conhece é um copo d’água, vai tentar de alguma maneira abrir a porta
com o copo d’água. Vai imaginar todas as possibilidades possíveis, quem sabe
vai derramar a água na fechadura, quebrar o copo, tentar muitas posições e
esquisitices. Você sabe que existem pessoas que passaram para o outro lado da
porta, não consegue imaginar o que pode estar errado, porque você até hoje
acreditava que o copo d’água era a solução para todos os problemas, nem sequer
imaginava que pudesse existir algo mais no mundo que um copo d’água e nem lhe
passa pela cabeça questionar se o copo d’água é o instrumento certo para abrir
a porta, afinal, o copo lhe serviu por toda a vida e aparentemente foi capaz de
resolver todos os seus problemas passados. Tamanha é a ilusão e confiança que
temos no copo d’água que nem sequer enxergamos a chave que está pendurada na
nossa frente. Se você não questiona os seus instrumentos de busca pela verdade,
provavelmente cairá nesse labirinto, pois muitos instrumentos de busca são
limitados ou estão viciados por preconceitos.
Frequentemente descrentes são pessoas com copos d’água a
frente da porta da crença, tentando abri-la inutilmente. Normalmente se cansam
e perdem a esperança. Vão embora tristes, acreditando que não há como abrir a
porta. Alguns não se acham capazes de abri-la, outros deixam de acreditar que
ela se abra. Quanto mais as pessoas estão mergulhadas em um paradigma, mas
dificilmente enxergarão esta distorção porque tudo o que vivenciaram em suas
vidas foi concebido através daquela visão de mundo. São capazes das mais
ousadas peripécias com o copo d’água, de realizar feitos geniais, mas são
complemente incapazes de enxergar a chave.
Existe uma piada que ilustra bem essa situação:
Em um elevador há um ascensorista que
se chama João e tem 60 kg e 35 anos, no térreo sobe uma mulher que se chama
Maria que tem 65 kg e 40 anos; no primeiro andar sobem dois irmãos que se
chamam André e José com 70 e 75 kg e 45 e 50 anos, respectivamente. Então, como
se chama o elevador?
Diante deste enigma, um matemático pode fazer equações inimagináveis para
resolver a solução. Criar um método matemático que nenhum mortal comum seja
capaz de entender. Mas a resposta é simples. “O elevador se chama apertando o
botão”.
Outra
piada que me foi enviada pela internet ilustra bem a situação:
Um paciente vai num
consultório psicológico e diz pro doutor:
- Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo.
Aí eu vou embaixo da cama e acho que tem alguém em cima. Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima.
Estou ficando maluco!
- Deixe-me tratar de você durante dois anos, diz o psicólogo.
- Venha três vezes por semana, e eu curo este problema.
- E quanto o senhor cobra? - pergunta o paciente.
- R$ 120,00 por sessão - responde o psicólogo.
- Bem, eu vou pensar - conclui o sujeito.
Passados seis meses, eles se encontram na rua.
- Por que você não me procurou mais? - pergunta o psicólogo.
- A 120 paus a consulta, três vezes por semana, dois anos = R$ 37.440,00, ia ficar caro demais, ai um sujeito num bar me curou por 10 reais.
- Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo.
Aí eu vou embaixo da cama e acho que tem alguém em cima. Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima.
Estou ficando maluco!
- Deixe-me tratar de você durante dois anos, diz o psicólogo.
- Venha três vezes por semana, e eu curo este problema.
- E quanto o senhor cobra? - pergunta o paciente.
- R$ 120,00 por sessão - responde o psicólogo.
- Bem, eu vou pensar - conclui o sujeito.
Passados seis meses, eles se encontram na rua.
- Por que você não me procurou mais? - pergunta o psicólogo.
- A 120 paus a consulta, três vezes por semana, dois anos = R$ 37.440,00, ia ficar caro demais, ai um sujeito num bar me curou por 10 reais.
- Ah é? Como? - pergunta o
psicólogo.
O sujeito responde:
- Por R$ 10,00 ele cortou os pés da cama...
O sujeito responde:
- Por R$ 10,00 ele cortou os pés da cama...
Assim como o sujeito do bar, é comum as pessoas mais
simples enxergarem melhor a solução. A crença de que um alto nível de
especialização, formação acadêmica ou técnica é a garantia de maior capacidade
de solução para todo tipo de problema, é um preconceito que dificilmente é
percebido. Tenho um amigo que diz que chegou a uma idade que não quer aprender
mais nada e sim desaprender. Eu não entendi e ele explicou. Às vezes, nossa
cabeça está tão cheia de conceitos e preconceitos que dificilmente enxergamos a
realidade. É preciso desaprender tudo aquilo que nos impede enxergar a chave
para abrir a porta e o excesso de informação nem sempre é a solução para
perceber a saída.
Sempre que aceitamos ou rejeitamos uma idéia, a grande
maioria das vezes, fazemos isso pelo sentimento de familiaridade ou estranheza
que essa idéia nos causa. Antes de um julgamento racional, há um julgamento
emocional sobre a idéia. Este julgamento emocional sabotará o julgamento
racional, que não é imparcial como queremos acreditar que seja. Ou seja, a
primeira reação diante de uma idéia estranha é repudiá-la, não importa o quanto
ela seja racional ou plausível, ela é repudiada simplesmente porque parece nova
e inusitada.
Em uma sociedade voltada para os valores do consumo, que
é hedonista, imediatista; vivendo dentro do paradigma materialista –
reducionista; no ambiente enlouquecedor das nossas cidades que só nos permitem
preocupar-nos com questões imediatas relacionadas com a própria sobrevivência
física; nesta sociedade, a cada dia perde espaço em nossas mentes a construção
de valores espiritualistas. Não é então espantoso que uma pessoa que vive
imersa nessa realidade, observe com muita estranheza qualquer idéia como a vida
após a morte. Porém o observador tende a acreditar que é a idéia que é estranha,
e não percebe que este sentimento de estranheza é devido ao paradigma que foi
educado e influi sobre sua percepção.
Contam em outra piada que um grupo de amigos resolveu
aprontar uma brincadeira com um bêbado da cidade. Passaram fezes de galinha no
seu bigode enquanto ele dormia. Quando acordou, o homem sentia um odor
estranho, saiu andando por toda a cidade e depois de algum tempo concluiu que o
mundo todo fedia. Comumente, diante de idéias novas, nos comportamos como o
bêbado do bigode sujo. Achamos que o problema está na idéia em si, mas na
verdade, é o nosso filtro e percepção que estão contaminados pelo paradigma
predominante.
Esse impacto inicial que as idéias diferentes nos
provocam, resultam no afastamento da maioria das pessoas que rapidamente
concluem que o assunto é absurdo e não merece nenhuma apreciação séria. Às
vezes, mesmo abundando evidencias e sinais que deveriam despertar o interesse
do bom observador, este se recusa a admitir esta possibilidade. É o caso, por
exemplo, de Sigmund Freud que rejeitava complemente qualquer fenômeno
paranormal, mesmo tendo presenciado um fenômeno paranormal na presença de Carl
Gustav Jung. Freud seguiu recusando mesmo diante da evidência. Jung seguiu seu próprio
caminho e mergulhou a fundo no assunto.
Lembra quando Pasteur falou de pequenos seres invisíveis
ao olho nu que provocavam a decomposição da matéria orgânica? Ele foi
sumariamente ridicularizado. Como é possível que isto exista se ninguém
descobriu antes? Que idéia mais absurda acreditar que existam seres tão
pequenos. Quem sabe então dizer que a Terra é redonda? Então, a experiência nos
diz que o fato de uma idéia parecer incomum ou despertar a sensação de
estranheza ou de absurdo, não é absolutamente uma razão para rejeitá-la.
O conhecimento é a única maneira de nos libertarmos desses
preconceitos. Quando buscamos a fundo investigar a questão, quando buscamos
observar desde outro paradigma, quando somos capazes de duvidar dos nossos
instrumentos e de nossa própria capacidade de análise, quando reconhecemos que
somos culturalmente influenciados, então começamos a abrir nossas mentes para a
construção de uma crença que não renega a razão. Para tanto é preciso
desprender-se do orgulho e da vaidade intelectual que são os maiores óbices
dessa busca.
Crença ou descrença são construções culturais,
independentemente de haver uma predisposição natural para crer, é fato que a
sociedade globalizada e centrada nos valores de consumo favorece amplamente
mais a descrença que a crença. Os meios de comunicação estão viciados neste
sentido; tudo o que nos chega é através do filtro seletivo do paradigma
reducionista materialista e se somos pessoas com formação acadêmica superior,
este filtro atua de forma ainda mais intensa.
Eu poderia começar este texto falando das inúmeras
pesquisas que apontam para a sobrevivência disto que chamamos individualidade
ou consciência depois da morte do corpo. São inúmeras evidências, fontes
distintas, de diversas épocas, realizadas por pessoas crentes e descrentes,
realizadas às vezes por homens de ciência. Talvez, citar todas essas fontes
diminuiria a sensação de que essas coisas não são assim tão absurdas, que
existe gente séria e preparada se dedicando a estes temas. Mas isso não valeria
de nada, se antes não formos capazes de superar o preconceito pelo novo, de
identificar as influências culturais que sofremos e de sermos capazes de
duvidar do que já parece estabelecido.
A
descrença é uma forma de crença. O descrente crê que nada existe. Qualquer
forma de crença está emocionalmente influenciada, até porque pensamos que esta
crença é criação nossa, produto exclusivo de nossa capacidade, de nossas
reflexões. Então uma crença é uma afirmação de nossa capacidade, de nosso poder
de discernimento, isso mexe com nosso orgulho, com nossa vaidade. Quando alguém
diz que sua crença está equivocada, é como se esse alguém dissesse que tem
maior capacidade de discernimento que você, é como admitir que você se enganou
onde outro foi capaz de acertar. Esse é um exercício que exige muita humildade
por isso grande parte dos convictos (convictos crentes ou descrentes) são, na
verdade, orgulhosos, com excesso de auto-confiança, porque não reconhecem que
tudo que somos levados a crer está sob influências sutis e imperceptíveis.
A esta altura o leitor deve estar esperando alguma
solução mágica que o passe da condição de descrente para crente. Quem sabe um
conjunto de provas secretas que satisfaçam seu nível de exigência racional ou
uma explanação exaustiva de provas irrefutáveis que fossem capazes de calar aos
materialistas. Eu posso afirmar que o volume de informações disponíveis sobre
este assunto é tão amplo e profundo que podem servir para fundamentar qualquer
crença. Mas, já temos dito que a evidência documental ou mesmo a prova
científica não é suficiente para fundamentar a crença. Existem pessoas que se
recusam a acreditar como Freud, tamanho é o apego as suas convicções, seu
orgulho e estranheza diante do novo. Antes temos que reconhecer as fragilidades
do nosso ponto de vista, caso contrário, não importa as provas contundentes,
pois estaremos sempre impermeáveis a qualquer mudança. Também é preciso
esclarecer alguns pontos com relação às informações que servem para fundamentar
as descrenças.
O materialismo é um ponto de vista metafísico (conjunto
de proposições relativas às características e componentes mais gerais da
realidade) assim como o espiritualismo, e não a expressão da verdade absoluta
como muitos acreditam. Trata-se de um sistema de crença, muitas vezes
extrapolado de suas reais funções. A ciência moderna é predominantemente
influenciada pelo paradigma materialista.
Vejamos o que nos diz, por exemplo, Ian G. Barbour:
“A maior parte do livro (e
série de TV) de Carl Sagan, Cosmos, é
dedicado a uma fascinante apresentação das descobertas da astronomia moderna –
mas, nos intervalos, Sagan insere seus comentários filosóficos pessoais. Afirma
que o universo é eterno, ou que sua origem é simplesmente incognoscível. Ataca,
em diversos pontos, as idéias cristãs de Deus, argumentando que as proposições
místicas e autoritárias ameaçam a supremacia do método científico, que, segundo
ele, é “universalmente aplicável”. A Natureza (que ele grafa com inicial
maiúscula, no livro) substitui Deus como objeto de veneração. Sagan expressa
grande reverência pela beleza, vastidão e coesão interna do cosmos. Na série de
TV, ele aparece sentado diante de um painel de instrumentos com os quais nos
mostra as maravilhas do Universo. É uma nova espécie de sumo sacerdote, que não
apenas revela os mistérios para nós como também nos diz como viver. Podemos
agradecer a Sagan por sua habilidade pedagógica de trazer descobertas da
astronomia, para um público mais amplo, e por sua grande sensibilidade ética e
profunda preocupação com a paz mundial e com a preservação do meio ambiente.
Mas talvez devêssemos questionar sua fé ilimitada no método científico, no
qual, diz ele, precisamos confiar para ingressarmos na era da paz e da justiça.
(...) Boa parte do recente
livro de Sagan O Mundo Assombrado pelos
Demônios, é dedicada à refutação da pseudociência, especialmente da
astrologia e dos supostos visitantes alienígenas e objetos voadores não
identificados (OVINs). Vários capítulos, porém, foram feitos para atacar a
religião, em geral sob suas formas populares e supersticiosas. Sagan apresenta
longos relatos de crenças em demônios e bruxas dos séculos passados e em
curandeiros e médiuns hoje em dia. Mas, com exceção de um breve comentário, em
momento algum ele leva em consideração os trabalhos teológicos bem informados,
de base universitária, que talvez sejam equivalentes intelectuais dos
cientistas que ele admira. Sagan claramente vê a ciência e a religião como
inimigas, e deposita sua fé e esperança na primeira. (Quando a Ciência Encontra
a Religião, Cultrix, 2004).
Neste caso observamos um claro exemplo de quando a concepção
materialista apropria-se da ciência para imiscuir suas idéias. Normalmente
toma-se uma descoberta científica real e comprovada e dela tira-se conclusões
especulativas e pessoais que servem para embasar a crença materialista. Usar a
ciência para dizer que Deus não existe é uma extrapolação absurda e sem
fundamento. É preciso estar atento a certas informações veiculadas na mídia, ou a
opinião materialista e reducionista de determinado número de cientistas, que
não estão devidamente fundamentadas, ou são distorcidas pela mídia ou que
representam a opinião de um pesquisador ou de um grupo específico de
cientistas, mas que não representa a opinião da ciência como um todo. Certas
expressões, por exemplo, como “gene egoísta” e “gene da violência” são
metáforas enganosas, porque, há uma base genética para o comportamento, mas não
para comportamentos específicos, assim como há uma base genética para a
linguagem e não para linguagens específicas, ou uma base genética da capacidade
de raciocínio, mas não para argumentos racionais específicos.
Além destas extrapolações comuns, existe um complô ou pacto de silencio
sobre as pesquisas científicas sérias que contribuem ou são compatíveis com a
crença em alguma forma de espiritualidade. As pesquisas e pesquisadores que
apontam nessa direção nunca são mencionados nas universidades e academias,
salvo uma pequeníssima exceção. A maioria das pessoas que tem uma formação
acadêmica qualquer, desconhece qualquer tipo de literatura ou trabalho sério de
investigação científica sobre a espiritualidade humana ou sobre os fenômenos
espiritualistas, a não ser quando estes experimentos são delineados dentro dos
moldes reducionistas e servem apenas para combater qualquer idéia desta
natureza.
Quem quer que se dê conta desta realidade, sem muito esforço poderá
descobrir inúmeros trabalhos sérios e bem fundamentados, feitos por cientistas
renomados que demonstram, por exemplo, a eficácia da prece na cura física e a
sobrevivência da alma após a morte do corpo físico. Porém, como a maioria de
nós somos acomodados, é mais fácil deixar-nos levar pelo paradigma
predominante, este que a sociedade, os nossos ídolos com pés de barro e a nossa
mídia está acostumada a apresentar. Quem quiser construir uma crença mais
sólida e racionalmente embasada, terá que sair de sua zona de conforto,
questionar o Status quo, buscar as informações ocultadas e legítimas que
fundamentarão a edificação de sua crença e isso não é uma tarefa fácil nos dias
atuais. A crença mais depurada e racional é uma construção que precisa ser
desenvolvida e fortalecida tanto quanto foi desenvolvida a crença no
materialismo. À medida que nos deparamos com a seriedade destes temas, e
ultrapassamos o mar de superstições que existe em torno da espiritualidade,
poderemos vislumbrar algo sólido e real para nossas vidas.
Não se trata simplesmente de privilegiar a crença sobre a
descrença, trata-se de termos a consciência crítica de que não estamos em território
neutro e que desde que nascemos somos influenciados por valores materialistas e
essa influência aumenta com a modernidade, com o avanço do paradigma
materialista em um mundo a cada dia mais urbanizado e desconectado da natureza
e dos valores tradicionais. Em uma sociedade em que o ter ocupa o espaço do
ser, torna-se cada vez mais difícil alimentar qualquer forma de
transcendentalidade. Vejo, por exemplo, que meus amigos dos países de primeiro
mundo são extremamente mais impermeáveis a qualquer tipo de crença que os meus
amigos dos países menos desenvolvidos.
A maioria das pessoas acredita que isso se dá pela
superioridade da cultura daqueles países; que nós somos tupiniquins atrasados
que acreditam em Deus e em bobagens deste tipo. Muitos de nós, inclusive aceita
passivamente este raciocínio colonialista e engole esta idéia. O que acontece é
que estas sociedades são consideradas de “primeiro mundo” justamente por
haverem desenvolvido os valores de uma sociedade de consumo, valores que quase
sempre nos cegam a qualquer forma de conhecimento espiritual. Não se dão conta
que, apesar disso, existem entre eles os que acreditam em valores espirituais e
estes estão entre os nomes mais respeitáveis. Além disso, os que vivem no
“terceiro mundo”, não são ignorantes que acreditam em coisas espirituais. Frequentemente,
tratam-se de pesquisadores com formação superior, em universidades que não
deixam nada a desejar às do primeiro mundo, mas que viveram suas vidas em uma
cultura menos corrompida pelos preconceitos materialistas, muitas vezes no meio
da superstição, é verdade, mas a familiaridade com as coisas espirituais, o
fato de não as vê como coisas absurdas, não os fazem rejeitarem a
espiritualidade de maneira preconceituosa.
Mais uma vez voltamos à piada do psicólogo e do sujeito que
achava que tinha alguém debaixo da sua cama. Tamanha era a especialização do
psicólogo que ele jamais pensaria em simplesmente resolver o problema cortando
os pés da cama. Como eu disse, quanto mais mergulhados em um paradigma, mais
dificilmente enxergamos outras possibilidades, ainda que sejamos muito hábeis
dentro de um determinado sistema de conhecimento, justamente por isso temos
dificuldade de perceber as coisas sob outras perspectivas. As pessoas não
explicam também, porque justamente nos países mais desenvolvidos, urbanizados e
economicamente estáveis é que se encontram os maiores índices de depressão e
suicídio. Alguma coisa se perdeu no meio do caminho e precisa ser resgatada.
Temos de reconhecer o valor e as conquistas da ciência e da civilização
moderna, não pretendemos voltar às cavernas, mas precisamos estar cientes das
suas limitações, sobretudo no que se refere a atender e compreender os anseios
humanos mais profundos.
Não foi a toa que Allan Kardec, o codificador do Espiritismo
declarou o materialismo como o grande inimigo da humanidade. Em um belíssimo
texto intitulado: “As cinco alternativas
da humanidade” no livro Obras
Póstumas, Kardec ressalta as opções metafísicas de crença que dispomos,
demonstrando a solidez do Espiritismo diante das demais. O materialismo destrói
a esperança no futuro, traz em si mesmo o veneno de sua própria destruição.
Trata-se de uma terra inócua para os anseios humanos mais profundos, que
esvazia a vida de propósito. O materialismo se disfarça de muitas maneiras,
desde a militância ateísta até a indiferença, futilidade e superficialidade da
nossa sociedade de consumo, mas é sempre o mesmo materialismo. Porém, a
necessidade de sobrevivência e de realização de seus anseios abstratos, faz o
homem perpetuar e aperfeiçoar a crença em uma vida mais ampla e rica de
possibilidades. Livrando-se da ganga das superstições, de mãos dadas com a
ciência e com a razão, construiremos uma nova era do espírito.
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