sábado, 13 de julho de 2019

Ciência, Pseudociência e Espiritualidade





A pseudociência é frequentemente definida como uma informação que se diz científica sem na verdade ser baseada nos procedimentos adotados pela ciência. Normalmente, apoiam-se em teorias da conspiração, correntes de internet, argumento falaciosos e estudos obscuros. É muito importante nos dias atuais saber reconhecer uma pseudociência, pois, algumas ideias como as que pregam o não uso de vacinas são arriscadas para a saúde humana ou simplesmente ridículas como a de que a Terra é plana.
Esse fenômeno acontece porque algumas teorias buscam o respaldo da ciência para obter credibilidade, dando uma cara de coisa séria ao absurdo e infundado. Porém, o assunto é menos simples do que parece. Primeiro porque não existe apenas uma definição sobre o quê é ciência. Os mais ortodoxos consideram ciência apenas o quê é materialmente comprovado, de preferência com mensuração matemática precisa e absoluta. Para esses, até mesmo a psicologia, a economia, a antropologia e a sociologia não são ciências. Já vi muita gente com pensamento reducionista apontar esses ramos do conhecimento como pseudocientíficos.
Qualquer um que estudar um pouco as concepções mais recentes sobre a ciência verá que ela se baseia em um sistema de verificação que pode ser refutado por seus pares, ou seja, afirmações que não podem ser testadas ou desmentidas, não são científicas. Essa, para mim, é uma concepção mais coerente. De qualquer forma, é preciso ter cuidado, pois se não existe uma concepção única sobre o quê é ciência, tão pouco é possível definir precisamente o quê é pseudociência, a não ser sob um determinado viés ideológico.
Não se pode ignorar também o fato de que não existe “uma ciência oficial”, a ciência é uma rede de colaboração. Algumas “verdades” científicas desfrutam de alta credibilidade, outras, nem tanto. Algumas afirmações estão no campo das hipóteses científicas, ou seja, especulações feitas, porém com embasamento científico, mas que ainda não foi possível verifica-las. Nem toda afirmação pode ser chamada de hipótese científica, é preciso que ela se baseie em teorias e resultados paralelos que permitam elaborar uma hipótese plausível para explicar um fenômeno.
Também é importante saber que os cientistas, enquanto seres humanos, são influenciáveis por diferentes sistemas de crenças e o sistema de crenças predominante no meio acadêmico é o materialismo. Os materialistas gostam de chamar a si mesmos de céticos, mas eles são apenas crentes de um sistema. O verdadeiro ceticismo é aberto à verificação de qualquer hipótese, seja ela materialista ou não.
É verdade que existe muita pseudociência nos meios espiritualistas, mas é preciso separar o joio do trigo e dizer que também existe boa ciência. Muitos estudos feitos por cientistas ateus, com revisão dos pares, em periódicos gabaritados, trazem evidências testáveis e refutáveis de afirmações feitas por diversas religiões, como, por exemplo, dos efeitos benéficos das orações sobre a saúde, tendo o cuidado de descartar o efeito placebo.
Temos também sistemas de crença muito complexos e profundos que não são baseados em argumentos de autoridade, teorias da conspiração, ou verdades escondidas que ninguém mais pode acessar. Muitos deles, como o Espiritismo, utilizam da observação sistemática dos fatos sem partir de premissas, estudam os fenômenos espirituais, comparam, testam e elaboram hipóteses que podem, por sua vez, serem testadas e refutadas por qualquer um, em qualquer época, sem governos secretos escondendo a verdade ou revelações maravilhosas que mais ninguém sabe.
A pseudociência é um risco não apenas para a ciência, mas também para a espiritualidade que fica ofuscada pela superstição fazendo parecer que tudo quanto se refere à espiritualidade humana é simplório e ridículo.
Alguns sistemas de crença também não requisitam para si a qualidade de serem científicos. Alguns possuem conhecimentos tradicionais que são utilizados milenarmente, por exemplo, o uso de plantas medicinais pelas populações indígenas. Nesse caso a ciência pode até verificar e testar, mas os índios não usaram a metodologia científica o que não quer dizer que a coisa não funcione. Nem tudo o quê é científico é verdadeiro, basta olhar a história da ciência e comprovar que ela frequentemente se equivoca mesmo quando segue rigorosamente seus métodos, e nem tudo que não é científico é falso, ou seja, outros sistemas de conhecimentos diferentes da ciência podem também atingir verdades profundas.
Algumas crenças são complexos sistemas simbólicos que trabalham a subjetividade do indivíduo e não dizem muito respeito a verificação material dos fatos ou comprovação estatística, mas eles são muito eficientes na mudança de perspectivas do indivíduo e na ressignificação de suas experiências emocionais e psíquicas.
Então, temos de fato um conflito perigoso entre ciência e pseudociência, mas não se enganem, existe também no meio científico estudos que evidenciam princípios defendidos pelas religiões, temos religiões com sistemas complexos não científicos (o quê não as torna inferiores) e as que, estando livres das amarras do materialismo, fazem uso serio da metodologia científica.
Existe um interesse, ou ignorância mesmo, por parte dos materialistas que querem jogar tudo o quê não for ciência materialista dentro do balaio de gatos das pseudociências. Inclusive, quase tudo que se escreve sobre pseudociências é escrito por crentes no materialismo que não enxergam, ou não reconhecem essa distinção. Muitos textos na Internet ensinam a reconhecer as pseudociências, mas sem os ajustes finos para perceber essas sutilezas.
Reconheço que para o iniciante não é fácil distinguir essas coisas, mas fica o alerta. Quem tiver interesse procure ler sobre filosofia da ciência e no campo da espiritualidade comece pelas grandes obras clássicas espiritualistas ocidentais e orientais e logo será fácil perceber essas nuances.
O Espiritismo, por sua vez, oferece amplos recursos para conciliar de forma séria ciência e espiritualidade. Foi Allan Kardec quem estabeleceu que o Espiritismo deve ser um sistema aberto para autocorreção e evolução, assim como nas ciências. Ele também nos disse que se a ciência provasse que o Espiritismo estava enganado em algum ponto, deveríamos seguir as evidências científicas. Os tratamentos espirituais, em nenhuma hipótese, dispensam os tratamentos médicos convencionais, na verdade, eles se complementam na busca da nossa saúde física e espiritual.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Ecologia e Espiritismo



Vídeo da palestra sobre Ecologia e Espiritismo realizada na Associação de Estudos Espíritas Kardecistas (Assesesk) em João Pessoa 10/07/2019.

Obs.: No minuto inicial existe uma distorção do áudio que volta ao normal em seguida.


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sábado, 23 de março de 2019

Um mundo em desencanto


O desconhecido causa medo e fascínio. A criança quando toma consciência do mundo é a expressão mais pura desses sentimentos. Por milhares de anos nos confrontamos com grandes mistérios que alimentaram-nos a curiosidade, o desejo pela descoberta, a vontade de ir além e desvelar o que estava oculto. Esse impulso nos conduziu desde as migrações dos povos primitivos, passando pelas navegações e chegando a era espacial, foi o que nos levou a criar a ciência e a religião, pois ambas, de modo diferente, são movidas pelo encanto diante do mistério.

Hoje é difícil imaginar que na maior parte da história da humanidade não tínhamos explicações para o que estava debaixo dos nossos pés ou acima das nossas cabeças. Não tínhamos os conhecimentos mais simples sobre os fenômenos da natureza, do universo, da matéria. Continentes não haviam sido descobertos, animais e plantas nunca tinham sido vistos, e existiam povos e civilizações que desconheciam a existência uns dos outros. O encontro com o desconhecido talvez seja uma das maiores e mais transformadoras experiências humanas. Acredito que o encontro dos grandes navegadores com terras e povos para eles desconhecidos, impulsionou o próprio Iluminismo e a Revolução Industrial.

Fico imaginando a sensação desses navegadores ao lançar-se ao mar, com sistemas de navegação precários e informações que misturavam fatos e lendas de monstros marinhos e depois de uma jornada apavorante rumo ao desconhecido, a perplexidade de encontrar um novo continente com seres humanos completamente diferentes. As descrições do novo mundo tomaram conta do imaginário europeu, inspirando artistas, escritores, aventureiros e cientistas a descobrirem o paraíso perdido do além mar. Façamos um esforço, só por um momento, em imaginar essa sensação de se lançar ao desconhecido com intrepidez e o poder que o encontro com o desconhecido tem para impulsionar as realizações humanas.

O mundo atual está em desencanto porque estamos repletos de conhecimento e explicações sobre todas as coisas. Não há mais espaço para o misterioso e o desconhecido. Isso não significa que a humanidade alcançou todas as respostas e que não existam mais mistérios, estamos longe disso, porém, o desconhecido está mais inacessível do que nunca. Antigamente, bastava olhar para o céu ou para o horizonte e ele estava diante dos olhos de qualquer pessoa comum, hoje o mundo está tão repleto de informações sobre todas as coisas que dificilmente o homem comum consegue se dar conta do insondável. Todas as pessoas parecem cheias de certezas e de respostas definitivas, os livros parecem sagrados, a Internet responde a tudo com um click e a ciência parece ter resolvido todos os problemas.

Nunca a humanidade dispôs de tantas informações. Isso parece uma consequência positiva da soma dos nossos avanços acumulados, é o que nos permite ter carros, computadores e ressonância magnética, por outro lado, desde crianças somos estimulados com uma imensa essa quantidade de informações sobre todas as coisas e para a maioria de nós, aquela sensação de medo e fascínio só ocorrerá em um único momento em nossas vidas que é a infância, para em seguida sermos preenchidos por uma série de explicações prontas que roubam o impulso pela descoberta, a curiosidade aventureira e o desejo de desvendar o misterioso.

Uma pequena parcela da humanidade que alcança o cume do discernimento crítico e da excelência em algum campo de conhecimento como a ciência, se dá conta que o mundo ainda é repleto de mistérios e que por detrás desse mar de explicações existe um oceano infinito de ignorância e presunção. Infelizmente, a maior parte desses privilegiados ao alcançarem essa consciência, já terão se desconectado dessa sensação de encanto e fascínio pelo mundo e mesmo entre aqueles que fazem ciência de ponta, sondando o desconhecido, em sua maioria, fazem-no como uma atividade burocrática e ordinária, muito distante daquela sensação dos navegadores ou dos astronautas.

A ciência ignora muito mais do que sabe e apesar de termos produzido um volume imenso de informações precisas e úteis, existem muitas meias verdades, equívocos, suposições, teorias e opiniões tomadas como verdades absolutas, isso sem falar de outros campos do conhecimento humano como a espiritualidade, a arte, a literatura e o próprio senso comum. Essas muitas teorias desencontradas que disputam entre si a verdade e a razão sobre o que é o mundo e a existência, nos impede de ter contato com o desconhecido. Em qual aventura vou lançar-me? O quê eu posso descobrir? O quê eu posso inventar? Quais respostas eu posso realmente buscar se todo o planeta está descoberto, se todas as invenções foram feitas e se o Google me dá todas as respostas?

Quanto mais conhecimento produzimos, mais o mundo parece explicado, desvendado, resolvido e acabado e mais difícil se torna perceber que isso não é verdade. O excesso de informações oculta o desconhecimento sobre o mundo e a existência, consequentemente, perde-se a sensação de encanto, curiosidade e fascínio, bem como a capacidade de enfrentar os medos para sondar o desconhecido e a perda de sentido e de interesse por esse mundo explicado nos leva consequentemente ao desinteresse e desencanto por si e pela própria vida. A existência se torna apenas um conjunto de fatores previstos, uma sucessão de fatos esperados e já conhecidos. Não há espaço para a criatividade, pois as soluções já estão prontas. A ignorância tornou-se um pecado imperdoável o que nos obriga a aceitar respostas prontas sem refletir sobre elas. As descobertas e novas soluções estão restritas a uma elite intelectual.

Escolhemos o conhecimento como o fascinante caminho para a nossa redenção, livrando-nos das amarras da temida ignorância. Esse seria um belo caminho se não houvéssemos nos deixado tomar pelo medo da ignorância que nos levou a presunção de havê-la vencido. Não há como vencer a ignorância, ela é o outro lado da moeda do conhecimento. Quanto mais conhecimento produzimos, mais a ignorância cresce, primeiro porque novos conhecimentos são portas que se abrem, ampliando as fronteiras do nosso desconhecimento, depois, a medida que o conhecimento se acumula, é mais difícil para qualquer pessoa assimilá-lo, compreendê-lo e principalmente alcançar as fronteiras do desconhecido.

O paradoxo é que apesar de a ignorância nunca ter sido tão grande, também nunca foi tão grande a presunção de que sabemos tudo, em outras palavras, hoje, mais do que nunca, somos ignorantes da nossa própria ignorância. Porém, quando falo em ignorância não me refiro a um estado de alienação avesso a qualquer conhecimento, mas sim a consciência das fronteiras de qualquer sistema humano e do quão eles são limitados para explicar o mundo e a nós mesmos. É a ignorância anunciada por Sócrates (Só sei que nada sei).

A elite intelectual mente para a humanidade ao comportar-se como se possuísse todas as respostas e o fazem por medo de perder poder e influência caso anunciassem a própria ignorância. Pregam que são a única vanguarda capaz de avançar sobre o desconhecido e aos outros restam as migalhas de um mundo desencantado. Por causa disso, muitas pessoas têm buscado um simulacro do mistério existencial, a mentira da mentira, o que quer dizer que diante da mentira de que o mundo foi explicado, decidiu-se acreditar em falsos mistérios na busca de sentido para a vida.

No desespero para resgatar o encanto e o fascínio pela existência, a porta mais fácil é a das superstições, teorias conspiratórias e Fake News. As pessoas querem se sentir parte de algo especial ou de uma visão de mundo que lhes devolva o mistério e o desafio, elas não parecem conformadas com as sobras de um universo desencantado, intuitivamente sabem que é uma perspectiva sem cor, sem sabor, sem alma, enfim, sem vida. Para tanto, apegam-se a qualquer coisa mesmo que seja lutar contra uma suposta conspiração global ou aderir a alguma teoria da conspiração que só existe nas correntes das redes sociais.

É por esse motivo que os grandes sistemas, paradigmas, visões hegemônicas explicativas do mundo têm perdido poder. A cada dia cresce o número de pessoas que se opõem publicamente aos grandes sistemas explicativos do mundo, contestando as ciências, as religiões, os veículos de comunicação e mídia e as instituições educacionais sem medo de serem taxadas de ignorantes. A ciência é substituída pela pseudociência e a espiritualidade ampla e profunda é substituída pela autoajuda ou por seitas New Age que, por sua vez, se apoiam em teorias pseudocientíficas. Mesmo as comprovações mais óbvias da ciência, como a esfericidade da Terra, para nossa perplexidade é questionada por um número crescente de pessoas que acreditam que o mundo é plano.

Esse é o tipo de ignorância que não queremos e que representa um risco real para a humanidade e pode lança-la em um período obscuro. É o repúdio ao conhecimento que deveria ser um instrumento de acesso ao mistério, mas que foi privatizado por uma elite que apenas oferece um volume vertiginoso de explicações que nem sempre são verdadeiras e nem resolvem os problemas essenciais da existência humana. A ignorância autoproclamada e desenvergonhada é o grito de desespero de uma civilização em crise, grito que aturde e confunde as elites intelectuais enclausurada em seus castelos.