sexta-feira, 27 de julho de 2018

O Trabalhador Espírita Perante a Política Partidária

Ao atravessar os períodos eleitorais, sempre me deparo com as mais diversas situações relacionadas com o tema deste texto. Preocupa-me a postura de alguns trabalhadores espíritas durante o período que antecede ou sucede as eleições. Entendendo as diversas situações em torno do tema política e Espiritismo, foi necessário delimitar o assunto deste texto, pois é sobre esse ponto que temos nos deparado com algumas situações arriscadas e uma série de posicionamentos que acredito que sejam equivocados se considerarmos a finalidade e os princípios do Espiritismo.

É quase consenso que o Espiritismo é uma doutrina moral e não política, que não assume posturas partidárias nem permite que se leve às tribunas espíritas questões referentes à política do mundo. Quando afirmo que Espiritismo e política não se misturam, refiro-me a aspectos específicos da política polarizada nas questões partidárias e eleitorais, porém, de maneira geral, no conceito aristotélico de política que é indissociável da moral e da virtude, toda ação social é também uma ação política. Qualquer ato que afete a coletividade, mesmo que seja emitir uma opinião, é, em sentido filosófico, uma ação política. Nesse sentido, pode-se dizer que o Espiritismo possui posicionamentos políticos, por exemplo, sobre o aborto, a pena de morte e a eutanásia ou mesmo quando os centros espíritas realizam alguma campanha ou ação social, nesse aspecto as instituições espíritas não deixam de ser também políticas.

Por fim, ser cidadão que atua politicamente e de forma consciente contribuindo para uma sociedade democrática não se resume ao voto, que é apenas uma das expressões da democracia, até questionável por alguns pensadores no que se refere a sua representatividade. A democracia nos faculta também o direito de escolher ou não os nossos representantes e o fato de alguém decidir não escolher um representante durante o processo eleitoral, não significa que ele não seja um cidadão atuante no seu cotidiano, ciente dos seus direitos e dos seus deveres e que trabalha pelo bem comum. Às vezes, é mais fácil ir às urnas e cruzar os braços durante quatro anos do que fazer valer seus direitos no dia a dia.

Revisada essa diferença entre esses dois significados ou dimensões atribuídas à política, passemos então as posturas e comportamentos que entendo serem destoantes com os princípios espíritas, sobretudo para aqueles que se encontram a frente das lides de trabalho doutrinário. Mas, para tanto, considerando a irrelevância de minha opinião, busquei a ajuda do espírito André Luiz que no livro Conduta Espírita trouxe-nos uma mensagem de conteúdo atualíssimo, intitulada “Nos Embates Políticos”, psicografia de Chico Xavier, da qual destacamos alguns trechos que pontuarão este texto.  Diz-nos o autor:

“Situar em posição clara e definida as aspirações sociais e os ideais espíritas cristãos, sem confundir os interesses de César com os deveres para com o Senhor”.
“Só o Espírito possui eternidade”.
(...) “O Espiritismo não pactua com interesses puramente terrenos”.

A citação de abertura corrobora com o quê já dissemos. O Espiritismo possui suas aspirações sociais e seus ideais que, em sentido mais amplo, são posicionamentos políticos, mas não confundamos os interesses do mundo com os interesses espirituais. Não é fácil enxergar sempre a separação entre esses interesses e constantemente se perde a linha que separa as duas coisas. Enquanto cidadãos, podemos cuidar dos nossos interesses mundanos, mas não devemos querer que o Espiritismo se ocupe de interesses particulares ou que representam a expressão de determinados grupos ou partidos.

“Distanciar-se do partidarismo extremado”.
“Paixão em campo, sombra em torno”.

Por que André Luiz nos faz essa recomendação? Sabem os espíritos da atmosfera psíquica que paira em torno dos embates politico partidários humanos. Eles têm noção de como em um mundo imperfeito predominam os interesses mesquinhos apesar da nobreza de caráter de alguns homens públicos, mas esses se encontram inevitavelmente cercados por outros tantos mal intencionados. Certamente devemos trabalhar para modificar esse panorama, porém, a “psicosfera” que ainda enleia esse terreno é ambiente fértil para o desequilíbrio, para o embate desarrazoado cercado de calúnias, difamações, fofocas, ressentimentos, vinganças e armadilhas. Observe que André Luiz não condena que se tome posicionamento partidário, mas o extremismo é porta para o desequilíbrio. Mas como saber se estamos sendo extremistas? Basta verificar como somos afetados ao lidar com essas questões. Se você alimenta raiva ou ódio por determinado candidato ou afastou-se de alguém de seu convívio, ou mesmo passou a desconsidera-lo por não compartilhar de seus posicionamentos ou por militar em outro partido, então você já adentrou nas fronteiras do extremismo, pois é o sentimento que move nossas ações que as qualificam ou desqualificam. Sobre isso André Luiz ainda nos diz:

“Por nenhum pretexto, condenar aqueles que se acham investidos com responsabilidades administrativas de interesse público, mas sim orar em favor deles, a fim de que se desincumbam satisfatoriamente dos compromissos assumidos”.
“Para que o bem se faça, é preciso que o auxílio da prece se contraponha ao látego da crítica”.

Quem resvala para o partidarismo extremado ou mesmo posicionamentos políticos acerbados, ainda que não milite em um partido político, está sujeito a se emaranhar nessa teia de desequilíbrio psíquico e espiritual. Quem por algum motivo tiver que adentrar por essas terras, que resguarde a sua sobriedade espiritual evitando que o acirramento de ideias o afaste dos princípios espíritas e cristãos de amor ao próximo.

“Em nenhuma oportunidade, transformar a tribuna espírita em palanque de propaganda política, nem mesmo com sutilezas comovedoras em nome da caridade”.
“O despistamento favorece a dominação do mal”.
(...) “Impedir palestras e discussões de ordem política nas sedes das instituições doutrinárias, não olvidando que o serviço de evangelização é tarefa essencial”.

Casa espírita não é lugar de campanha política e isso raramente acontece abertamente, mas, às vezes, isso acontece de maneira mais sutil, por isso que André alerta que o despistamento (ou distração, invigilância) favorece a dominação do mal. Devemos estar alertas para as estratégias sutis da política de imiscuir-se no meio espírita escamoteada de questões doutrinárias. Não é raro observar alguns espíritas que tentam persuadir seus companheiros de doutrina a votar ou não votar em determinado candidato porque ele é contra ou a favor de algum postulado espírita. Eu já fui abordado com a seguinte colocação em uma lista de discussão espírita: – quem é espírita não pode votar em candidato Fulano porque ele é a favor do aborto, ou não vota em candidato Beltrano porque ele é corrupto, etc. Sim, é certo que não devemos apoiar o aborto ou a corrupção, mas a escolha do candidato é antes de tudo uma questão de consciência pessoal. Não se deve utilizar o apelo religioso quando podem ser outros os interesses que se encontram por detrás dessa argumentação. E mesmo que o interesse na argumentação seja sincero por parte do interlocutor, é preciso ter certeza que a informação é verídica, se ela não é apenas um boato ou mesmo se foi manipulada ou distorcida por interesses eleitorais, algo muito comum nesse meio.

Os mais renomados divulgadores do Espiritismo sabem e conhecem muitas obras ditas espíritas com graves erros doutrinários, inverdades e que prestam um desserviço a doutrina, porém, ao invés de enumerar essas obras, esses palestrantes apenas alertam que elas existem e estimulam o estudo das obras básicas de Allan Kardec para que cada um, através de seu próprio conhecimento e juízo crítico, possa identificar e repelir essas obras. O Espiritismo é uma doutrina que preza pela liberdade individual. Da mesma forma, no campo político, não faria sentido que os trabalhadores espíritas nomeassem os candidatos em quem se deve votar. Quando caímos no erro de dizer às pessoas o que elas devem fazer, criamos um séquito de fieis fanáticos e não de adeptos conscientes. Podemos achar que estamos agindo pelo interesse da doutrina quando denunciamos o nome de um candidato, mas na verdade estamos sendo utilizados por interesses externos. Por isso André Luiz ainda nos diz:

“Repelir acordos políticos que, com o empenho da consciência individual, pretextem defender os princípios doutrinários ou aliciar prestígio social para a Doutrina, em troca de votos ou solidariedade a partidos e candidatos”.

Essa citação possui outras facetas, uma delas é a de candidatos que prometem ajudar a causas espíritas em troca de apoio eleitoral. Alguns chegam a oferecer benefícios materiais como um terreno para a construção do Centro Espírita ou mesmo lutar contra a eutanásia e a pena de morte, outros pedem para dar um recadinho no fim da reunião, deixar alguns santinhos de campanha ou quem sabe pintar sua propaganda no muro do centro espírita. Lembremos que a doutrina enquanto instituição não tem representantes no campo da política. Somos livres para fazer nossas escolhas de maneira crítica e consciente, aliás, devemos mesmo escolher nossos candidatos, mas muito cuidado quando o nome do Espiritismo está em jogo.

“Cumprir os deveres de cidadão e eleitor, escolhendo os candidatos aos postos eletivos, segundo os ditames da própria consciência, sem, contudo, enlear-se nas malhas do fanatismo de grei”.
“O discernimento é caminho para o acerto”.
“A rigor, não há representantes oficiais do Espiritismo em setor algum da política humana”.

André alerta para o discernimento e é a falta dele que resulta numa outra faceta que é a de pessoas que se encontram no meio espírita fazendo propaganda sutil para candidatos. Mais uma vez passamos a palavra para ele:

“Não comerciar com o voto dos companheiros de Ideal, sobre quem a sua palavra ou cooperação possam exercer alguma influência”.
“A fé nunca será produto para o mercado humano” (grifo nosso).

Sempre nos deparamos com aquela campanha insistente de pé de ouvido, ou algum companheiro de casa espírita que nos visita em casa apenas para solenemente pedir votos, a situação é mais grave quando esse pedinte é um trabalhador que representa a casa espírita. Os que agem dessa forma no meio espírita, não se dão conta que estão sendo mais políticos do que espíritas, perderam o discernimento que André Luiz chama tanto a atenção, entraram no terreno pantanoso do partidarismo extremado podendo resvalar para a fascinação. Entre esses, encontro muitos que se sentem convictos de que estão prestando um serviço à humanidade e ao Espiritismo. Usam de palavras melífluas, de linguajar espírita, falam de lei de causa e efeito, de responsabilidade do voto, de consciência cristã, quando na verdade tudo desemboca em quem se deve ou não se deve votar. Podem achar que não, mas estão a serviço dos interesses mundanos e não espirituais, quando não, podem servir de instrumentos para entidades espirituais que querem plantar o germe da discórdia visando comprometer a ação do bem, desfazendo os esforços pela união e pela paz em nosso movimento.

Outra situação delicada é o fato de o trabalhador espírita declarar publicamente o seu voto ou preferência partidária, o que certamente é um direito seu enquanto cidadão, mas, chamamos atenção, sobretudo para aqueles que exercem influencia sobre o movimento espírita, conferencistas, médiuns, líderes, presidentes de instituições, etc. Sugiro reler a última citação de André Luiz que fiz acima.

Estejamos cientes da responsabilidade que temos nas mãos. Algumas pessoas tem sua imagem tão associada à Doutrina Espírita, possuem uma folha de serviços tão relevante, que melhor seria não declarar publicamente seu posicionamento partidário, a não ser entre aqueles que lhe são íntimos. Se estivermos trabalhando a serviço de Jesus no intuito de socorrer o próximo, é conveniente evitar temas sobre os quais pairem uma atmosfera de discórdia. Ao falar em público, nos meios de comunicação de massa, devemos enquanto trabalhadores espíritas resguardar-nos de polêmicas que não dizem respeito ao Espiritismo e que desagregam ao invés de unir as pessoas.

Isso não se trata de ser hipócrita ou dissimular, mas de saber que cada coisa tem seu espaço específico e que nossa imprudência pode comprometer o serviço de divulgação do bem. Quem trabalha em benefício da edificação da humanidade deve procurar os caminhos que agreguem e que gerem laços de confiança e de afeto. Lembremos que aqui estamos tratando do campo do trabalho espírita que não é apenas a casa espírita, mas o ciclo de convivência entre os trabalhadores. Já vi pessoas esperarem apenas cruzar para fora do muro do centro espírita para manifestar entre seus pares todo tipo de opinião polêmica, partidarista ou sectária, sem se dar conta que apesar de estarem fora do centro espírita, suas opiniões apressadas e irrefletidas vão repercutir sobre as relações pessoais no grupo e consequentemente nos trabalhos na casa espírita. Já vi diversas inimizades, quiproquós, cisões e até fechamento de trabalhos por consequência de desentendimentos políticos entre trabalhadores.

Existe uma situação nos dias atuais que não existia quando André Luiz escreveu essa mensagem. Naquela época não existiam as mídias sociais, mas certamente nos dias atuais ele acrescentaria uma mensagem à parte sobre como conduzir-se nesses espaços de maneira condizente com a moral espírita e cristã, devido ao impacto que pode provocar qualquer postagem publicada nesses meios. Todas as situações acima discutidas aplicam-se as redes sociais. Uma postagem numa rede social pode ter um alcance muito maior do que quando pronunciada de uma tribuna espírita, com o agravo de que nesse meio de comunicação nem sempre conseguimos entender e ser entendidos claramente. Imagine-se chegando a uma praça pública e gritando abertamente as suas convicções, qualquer pessoa se sente no mínimo um pouco constrangida de fazê-lo, agora multiplique essa situação mil vezes e você terá algo próximo do que representam as mídias sociais, mas nem sempre temos consciência disso porque temos a ilusão de que estamos separados das pessoas, atrás de uma tela, no conforto de nossos lares.

As postagens nas mídias sociais são perigosas porque facilmente são mal interpretadas sem nos dar a oportunidade de esclarecer nosso real pensamento. Diante de algum deslize, os lobos atacam ferozmente dilacerando a imagem de quem não vigiou bem as suas próprias palavras. Nas redes sociais a comunicação feita de maneira fria e distante, virtualizada pela máquina, é propicia a desinibição e manifestação sem freio moral. Não é a toa que esses espaços tornam-se verdadeiras catarses coletivas onde se manifesta todo tipo de desequilíbrio. Pelo menos esse é o panorama atual de como esses instrumentos têm sido predominantemente utilizados e também representa o padrão vibratório desses espaços, o que exige de nós redobrada vigilância ao perambular por ali.

O seu perfil numa rede social representa aquilo que você diz de você mesmo em praça pública, como se estivesse berrando aos quatro cantos do mundo. É preciso refletir a que tipo de ideias queremos estar associados e as consequências de expor essas ideias. É preciso saber distinguir o que nos interessa declarar em público ou manter no âmbito privado. Cada um sabe do seu papel na sociedade e de sua atuação no campo espírita e como lhe convém declarar publicamente alguns posicionamentos. A minha opinião é a de que é muito imprudente ou no mínimo de mau gosto observar um perfil público de um trabalhador espírita onde alternam-se postagens espíritas e mensagens carregadas de idealismos partidários, quando não, publicidade política aberta e declarada. A que queremos associar a nossa imagem pública? A religião ou a política partidária? Estou falando de imagem pública em redes sociais, porque não dá pra ter duas imagens públicas, ou manter uma imagem pública manifestando interesses conflitantes sem que isso resulte em toda sorte de problemas e sob a consequência de prejudicar os dois interesses e, mais ainda, prejudicar a si mesmo. Além disso, existe aqui um dilema ético que é usar a força e o reconhecimento que a sua imagem pública adquiriu à custa da religião, para exercer influencia sobre outra área (política), sobre a qual não lhe foi concedida autoridade. As pessoas que se tornam proeminentes e reconhecidas pelo Espiritismo têm em suas mãos um poder de influência que é um instrumento que lhes foi dado para esse fim. Se usarem esse poder com outra finalidade, estão desvirtuando-o e são responsáveis por isso.

Da mesma forma, quem decidir-se por seguir a carreira política contribuindo para dignificar esse espaço deve estar atento para não fazer uso de sua imagem como espírita para angariar votos, quem assim procedesse incorreria em grave erro. Nesse caso é melhor restringir as suas convicções religiosas ao seu ciclo de convívio íntimo, não negando-as, mas não utilizando-as a soldo dos interesses mundanos. Se a imagem pública de alguém já está associada à política, esse deve ser comedido ao manifestar-se publicamente sobre religião.

As mídias sociais nos permitem rapidamente repassar informações postadas por outras pessoas o que pode ser um problema se estamos preocupados em ser verdadeiros e éticos. Temos a ilusão de que não somos responsáveis por repassar uma informação que não é de nossa autoria, o famoso pensamento “– eu não sei se é verdade, mas andam dizendo por aí...” significa assumir o compromisso por contribuir com a calúnia e a depredação pública de reputações. Se nos sentimos na obrigação moral de denunciar a hipocrisia, se nos achamos arautos da honestidade e da retidão, então nos esforcemos um pouco mais para verificar a veracidade de algumas informações antes de repassá-las, na dúvida é sempre melhor abster-se. A maledicência é uma serpente peçonhenta e por fim, não nos esqueçamos do exemplo de Jesus que não foi conivente com o erro, porém não apedrejou a pecadora. Mas não basta não atirar a pedra, pois dar a pedra ao apedrejador nos faz tão culpados quanto o algoz.

Quando damos um simples clique e repassamos uma informação, estamos endossando a mesma, dando nosso aval, validando-a através da nossa reputação, afinal, se um trabalhador espírita respeitável repassou a informação, apenas por isso, um grande número de pessoas aceitará imediatamente como verdade. Mesmo sabendo de que cada um decide seguir a quem quer, devendo fazer uso de seu juízo crítico, sabemos também que no atual estado da humanidade as pessoas são facilmente influenciadas, sendo assim, somos responsáveis pelos frutos das sementes que plantamos.

Antes de repassar publicações com denúncias de corrupção, escândalos políticos, denúncias sobre a vida pessoal de políticos ou de qualquer pessoa, não nos esqueçamos da lenda das três peneiras de Sócrates:

“Um homem foi ao encontro de Sócrates levando ao filósofo uma informação que julgava de seu interesse:
- Quero contar-te uma coisa a respeito de um amigo teu!
- Espera um momento – disse Sócrates – Antes de contar-me, quero saber se fizeste passar essa informação pelas três peneiras.
- Três peneiras? Que queres dizer?
- Vamos peneirar aquilo que quer me dizer. Devemos sempre usar as três peneiras. Se não as conheces, presta bem atenção. A primeira é a peneira da VERDADE. Tens certeza de que isso que queres dizer-me é verdade?
- Bem, foi o que ouvi outros contarem. Não sei exatamente se é verdade.
- A segunda peneira é a da BONDADE. Com certeza, deves ter passado a informação pela peneira da bondade. Ou não?
Envergonhado, o homem respondeu:
- Devo confessar que não.
- A terceira peneira é a da UTILIDADE. Pensaste bem se é útil o que vieste falar a respeito do meu amigo?
- Útil? Na verdade, não.
- Então, disse-lhe o sábio, se o que queres contar-me não é verdadeiro, nem bom, nem útil, então é melhor que o guardes apenas para ti”.

Devemos ser sempre a estação terminal de qualquer comentário infeliz. Quando divulgamos irresponsavelmente o mal, nos associamos com a calúnia e a leviandade e podemos, pela lei do retorno, nos tornar vítimas desse mesmo mal. Não poderia terminar essa missiva de outra maneira senão da mesma forma que conclui André Luiz, destacando as palavras do Evangelho de Jesus, esse inesgotável repositório de sabedoria. Essas últimas palavras resumem de maneira magistral o que qualquer um tenha a dizer sobre esse assunto, reflitamos sobre elas:

Nenhum servo pode servir a dois senhores” — Jesus. (LUCAS, 16:13.)

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Por que é tão difícil crer?


  
          Este texto é dedicado a um grupo especial de pessoas que têm vontade de possuir alguma crença espiritualista, mas que não encontraram razões convincentes que fundamentem sua crença. Essas são pessoas questionadoras, mas que não têm preconceitos nem repudiam a ideia de “crer”, porém não encontraram um caminho possível para essa crença. Sobre elas pesa-lhes a descrença, como um fardo de desencanto e pessimismo, ou sentem-se aprisionadas no cárcere do ceticismo.
            Este não é um texto para ateus convictos. Não pretendo convencer àqueles que se acham possuidores da razão, nem tenho a pretensão de solucionar tão difícil dilema. Eu encontrei o meu caminho para a crença sem abdicar da razão, mas antes é preciso também criticar e reconhecer os limites disto que chamamos de “razão”, e dos valores vigentes no atual contexto social. Quem sabe alguém possa encontrar nestas palavras, reflexões que lhes ajudem a rever seus conceitos de fé e ceticismo.
            É preciso refletir primeiramente sobre a forma na qual somos ensinados a questionar as coisas. Todo questionamento é construído sobre um paradigma específico. Um paradigma é um conjunto de idéias e pressupostos que formam uma visão de mundo. Vejamos a figura abaixo:

            Nessa figura um engenheiro hidráulico e um biólogo observam sob suas perspectivas um rio ou córrego. As perguntas que o engenheiro fizer só permitem respostas que refletem o paradigma do engenheiro. O mesmo serve para o biólogo. As perguntas já possuem disfarçadamente uma visão de mundo que impede outro nível de percepção. Não podemos refletir sobre crença e descrença sem antes refletir sobre os valores que nos influenciam e a partir de que ponto de vista estes valores nos leva a formular nossos questionamentos. De outra maneira estaremos em um labirinto sem saída. É como usar um copo d’água para abrir uma fechadura ao invés de uma chave. Se você nunca viu uma chave e tudo que conhece é um copo d’água, vai tentar de alguma maneira abrir a porta com o copo d’água. Vai imaginar todas as possibilidades possíveis, quem sabe vai derramar a água na fechadura, quebrar o copo, tentar muitas posições e esquisitices. Você sabe que existem pessoas que passaram para o outro lado da porta, não consegue imaginar o que pode estar errado, porque você até hoje acreditava que o copo d’água era a solução para todos os problemas, nem sequer imaginava que pudesse existir algo mais no mundo que um copo d’água e nem lhe passa pela cabeça questionar se o copo d’água é o instrumento certo para abrir a porta, afinal, o copo lhe serviu por toda a vida e aparentemente foi capaz de resolver todos os seus problemas passados. Tamanha é a ilusão e confiança que temos no copo d’água que nem sequer enxergamos a chave que está pendurada na nossa frente. Se você não questiona os seus instrumentos de busca pela verdade, provavelmente cairá nesse labirinto, pois muitos instrumentos de busca são limitados ou estão viciados por preconceitos.
         Frequentemente descrentes são pessoas com copos d’água a frente da porta da crença, tentando abri-la inutilmente. Normalmente se cansam e perdem a esperança. Vão embora tristes, acreditando que não há como abrir a porta. Alguns não se acham capazes de abri-la, outros deixam de acreditar que ela se abra. Quanto mais as pessoas estão mergulhadas em um paradigma, mas dificilmente enxergarão esta distorção porque tudo o que vivenciaram em suas vidas foi concebido através daquela visão de mundo. São capazes das mais ousadas peripécias com o copo d’água, de realizar feitos geniais, mas são complemente incapazes de enxergar a chave.
            Existe uma piada que ilustra bem essa situação:
Em um elevador há um ascensorista que se chama João e tem 60 kg e 35 anos, no térreo sobe uma mulher que se chama Maria que tem 65 kg e 40 anos; no primeiro andar sobem dois irmãos que se chamam André e José com 70 e 75 kg e 45 e 50 anos, respectivamente. Então, como se chama o elevador? Diante deste enigma, um matemático pode fazer equações inimagináveis para resolver a solução. Criar um método matemático que nenhum mortal comum seja capaz de entender. Mas a resposta é simples. “O elevador se chama apertando o botão”.
Outra piada que me foi enviada pela internet ilustra bem a situação:
Um paciente vai  num consultório psicológico e diz pro doutor:
 - Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo.
 Aí eu vou embaixo da cama e acho que tem alguém  em cima. Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima.
Estou ficando maluco!
 - Deixe-me tratar de você durante dois anos, diz  o psicólogo.
 - Venha três vezes por semana, e eu curo este problema.
 - E quanto o senhor cobra? - pergunta o paciente.
 - R$ 120,00 por sessão - responde o psicólogo.
 - Bem, eu vou pensar - conclui o sujeito.
 Passados seis meses, eles se encontram na rua.
 - Por que você não me procurou mais? - pergunta o psicólogo.
 - A 120 paus a consulta, três vezes por semana,  dois anos = R$ 37.440,00, ia ficar caro demais, ai um sujeito num bar me curou por 10 reais.
 - Ah é? Como? - pergunta o psicólogo.
 O sujeito responde:
 - Por R$ 10,00 ele cortou os pés da cama...
            Assim como o sujeito do bar, é comum as pessoas mais simples enxergarem melhor a solução. A crença de que um alto nível de especialização, formação acadêmica ou técnica é a garantia de maior capacidade de solução para todo tipo de problema, é um preconceito que dificilmente é percebido. Tenho um amigo que diz que chegou a uma idade que não quer aprender mais nada e sim desaprender. Eu não entendi e ele explicou. Às vezes, nossa cabeça está tão cheia de conceitos e preconceitos que dificilmente enxergamos a realidade. É preciso desaprender tudo aquilo que nos impede enxergar a chave para abrir a porta e o excesso de informação nem sempre é a solução para perceber a saída.
            Sempre que aceitamos ou rejeitamos uma idéia, a grande maioria das vezes, fazemos isso pelo sentimento de familiaridade ou estranheza que essa idéia nos causa. Antes de um julgamento racional, há um julgamento emocional sobre a idéia. Este julgamento emocional sabotará o julgamento racional, que não é imparcial como queremos acreditar que seja. Ou seja, a primeira reação diante de uma idéia estranha é repudiá-la, não importa o quanto ela seja racional ou plausível, ela é repudiada simplesmente porque parece nova e inusitada.
            Em uma sociedade voltada para os valores do consumo, que é hedonista, imediatista; vivendo dentro do paradigma materialista – reducionista; no ambiente enlouquecedor das nossas cidades que só nos permitem preocupar-nos com questões imediatas relacionadas com a própria sobrevivência física; nesta sociedade, a cada dia perde espaço em nossas mentes a construção de valores espiritualistas. Não é então espantoso que uma pessoa que vive imersa nessa realidade, observe com muita estranheza qualquer idéia como a vida após a morte. Porém o observador tende a acreditar que é a idéia que é estranha, e não percebe que este sentimento de estranheza é devido ao paradigma que foi educado e influi sobre sua percepção.
            Contam em outra piada que um grupo de amigos resolveu aprontar uma brincadeira com um bêbado da cidade. Passaram fezes de galinha no seu bigode enquanto ele dormia. Quando acordou, o homem sentia um odor estranho, saiu andando por toda a cidade e depois de algum tempo concluiu que o mundo todo fedia. Comumente, diante de idéias novas, nos comportamos como o bêbado do bigode sujo. Achamos que o problema está na idéia em si, mas na verdade, é o nosso filtro e percepção que estão contaminados pelo paradigma predominante.
            Esse impacto inicial que as idéias diferentes nos provocam, resultam no afastamento da maioria das pessoas que rapidamente concluem que o assunto é absurdo e não merece nenhuma apreciação séria. Às vezes, mesmo abundando evidencias e sinais que deveriam despertar o interesse do bom observador, este se recusa a admitir esta possibilidade. É o caso, por exemplo, de Sigmund Freud que rejeitava complemente qualquer fenômeno paranormal, mesmo tendo presenciado um fenômeno paranormal na presença de Carl Gustav Jung. Freud seguiu recusando mesmo diante da evidência. Jung seguiu seu próprio caminho e mergulhou a fundo no assunto.
         Lembra quando Pasteur falou de pequenos seres invisíveis ao olho nu que provocavam a decomposição da matéria orgânica? Ele foi sumariamente ridicularizado. Como é possível que isto exista se ninguém descobriu antes? Que idéia mais absurda acreditar que existam seres tão pequenos. Quem sabe então dizer que a Terra é redonda? Então, a experiência nos diz que o fato de uma idéia parecer incomum ou despertar a sensação de estranheza ou de absurdo, não é absolutamente uma razão para rejeitá-la.
            O conhecimento é a única maneira de nos libertarmos desses preconceitos. Quando buscamos a fundo investigar a questão, quando buscamos observar desde outro paradigma, quando somos capazes de duvidar dos nossos instrumentos e de nossa própria capacidade de análise, quando reconhecemos que somos culturalmente influenciados, então começamos a abrir nossas mentes para a construção de uma crença que não renega a razão. Para tanto é preciso desprender-se do orgulho e da vaidade intelectual que são os maiores óbices dessa busca.
       Crença ou descrença são construções culturais, independentemente de haver uma predisposição natural para crer, é fato que a sociedade globalizada e centrada nos valores de consumo favorece amplamente mais a descrença que a crença. Os meios de comunicação estão viciados neste sentido; tudo o que nos chega é através do filtro seletivo do paradigma reducionista materialista e se somos pessoas com formação acadêmica superior, este filtro atua de forma ainda mais intensa.
         Eu poderia começar este texto falando das inúmeras pesquisas que apontam para a sobrevivência disto que chamamos individualidade ou consciência depois da morte do corpo. São inúmeras evidências, fontes distintas, de diversas épocas, realizadas por pessoas crentes e descrentes, realizadas às vezes por homens de ciência. Talvez, citar todas essas fontes diminuiria a sensação de que essas coisas não são assim tão absurdas, que existe gente séria e preparada se dedicando a estes temas. Mas isso não valeria de nada, se antes não formos capazes de superar o preconceito pelo novo, de identificar as influências culturais que sofremos e de sermos capazes de duvidar do que já parece estabelecido.
A descrença é uma forma de crença. O descrente crê que nada existe. Qualquer forma de crença está emocionalmente influenciada, até porque pensamos que esta crença é criação nossa, produto exclusivo de nossa capacidade, de nossas reflexões. Então uma crença é uma afirmação de nossa capacidade, de nosso poder de discernimento, isso mexe com nosso orgulho, com nossa vaidade. Quando alguém diz que sua crença está equivocada, é como se esse alguém dissesse que tem maior capacidade de discernimento que você, é como admitir que você se enganou onde outro foi capaz de acertar. Esse é um exercício que exige muita humildade por isso grande parte dos convictos (convictos crentes ou descrentes) são, na verdade, orgulhosos, com excesso de auto-confiança, porque não reconhecem que tudo que somos levados a crer está sob influências sutis e imperceptíveis.
            A esta altura o leitor deve estar esperando alguma solução mágica que o passe da condição de descrente para crente. Quem sabe um conjunto de provas secretas que satisfaçam seu nível de exigência racional ou uma explanação exaustiva de provas irrefutáveis que fossem capazes de calar aos materialistas. Eu posso afirmar que o volume de informações disponíveis sobre este assunto é tão amplo e profundo que podem servir para fundamentar qualquer crença. Mas, já temos dito que a evidência documental ou mesmo a prova científica não é suficiente para fundamentar a crença. Existem pessoas que se recusam a acreditar como Freud, tamanho é o apego as suas convicções, seu orgulho e estranheza diante do novo. Antes temos que reconhecer as fragilidades do nosso ponto de vista, caso contrário, não importa as provas contundentes, pois estaremos sempre impermeáveis a qualquer mudança. Também é preciso esclarecer alguns pontos com relação às informações que servem para fundamentar as descrenças.
       O materialismo é um ponto de vista metafísico (conjunto de proposições relativas às características e componentes mais gerais da realidade) assim como o espiritualismo, e não a expressão da verdade absoluta como muitos acreditam. Trata-se de um sistema de crença, muitas vezes extrapolado de suas reais funções. A ciência moderna é predominantemente influenciada pelo paradigma materialista.  Vejamos o que nos diz, por exemplo, Ian G. Barbour:
“A maior parte do livro (e série de TV) de Carl Sagan, Cosmos, é dedicado a uma fascinante apresentação das descobertas da astronomia moderna – mas, nos intervalos, Sagan insere seus comentários filosóficos pessoais. Afirma que o universo é eterno, ou que sua origem é simplesmente incognoscível. Ataca, em diversos pontos, as idéias cristãs de Deus, argumentando que as proposições místicas e autoritárias ameaçam a supremacia do método científico, que, segundo ele, é “universalmente aplicável”. A Natureza (que ele grafa com inicial maiúscula, no livro) substitui Deus como objeto de veneração. Sagan expressa grande reverência pela beleza, vastidão e coesão interna do cosmos. Na série de TV, ele aparece sentado diante de um painel de instrumentos com os quais nos mostra as maravilhas do Universo. É uma nova espécie de sumo sacerdote, que não apenas revela os mistérios para nós como também nos diz como viver. Podemos agradecer a Sagan por sua habilidade pedagógica de trazer descobertas da astronomia, para um público mais amplo, e por sua grande sensibilidade ética e profunda preocupação com a paz mundial e com a preservação do meio ambiente. Mas talvez devêssemos questionar sua fé ilimitada no método científico, no qual, diz ele, precisamos confiar para ingressarmos na era da paz e da justiça.
(...) Boa parte do recente livro de Sagan O Mundo Assombrado pelos Demônios, é dedicada à refutação da pseudociência, especialmente da astrologia e dos supostos visitantes alienígenas e objetos voadores não identificados (OVINs). Vários capítulos, porém, foram feitos para atacar a religião, em geral sob suas formas populares e supersticiosas. Sagan apresenta longos relatos de crenças em demônios e bruxas dos séculos passados e em curandeiros e médiuns hoje em dia. Mas, com exceção de um breve comentário, em momento algum ele leva em consideração os trabalhos teológicos bem informados, de base universitária, que talvez sejam equivalentes intelectuais dos cientistas que ele admira. Sagan claramente vê a ciência e a religião como inimigas, e deposita sua fé e esperança na primeira. (Quando a Ciência Encontra a Religião, Cultrix, 2004).
Neste caso observamos um claro exemplo de quando a concepção materialista apropria-se da ciência para imiscuir suas idéias. Normalmente toma-se uma descoberta científica real e comprovada e dela tira-se conclusões especulativas e pessoais que servem para embasar a crença materialista. Usar a ciência para dizer que Deus não existe é uma extrapolação absurda e sem fundamento. É preciso estar atento a certas informações veiculadas na mídia, ou a opinião materialista e reducionista de determinado número de cientistas, que não estão devidamente fundamentadas, ou são distorcidas pela mídia ou que representam a opinião de um pesquisador ou de um grupo específico de cientistas, mas que não representa a opinião da ciência como um todo. Certas expressões, por exemplo, como “gene egoísta” e “gene da violência” são metáforas enganosas, porque, há uma base genética para o comportamento, mas não para comportamentos específicos, assim como há uma base genética para a linguagem e não para linguagens específicas, ou uma base genética da capacidade de raciocínio, mas não para argumentos racionais específicos.
Além destas extrapolações comuns, existe um complô ou pacto de silencio sobre as pesquisas científicas sérias que contribuem ou são compatíveis com a crença em alguma forma de espiritualidade. As pesquisas e pesquisadores que apontam nessa direção nunca são mencionados nas universidades e academias, salvo uma pequeníssima exceção. A maioria das pessoas que tem uma formação acadêmica qualquer, desconhece qualquer tipo de literatura ou trabalho sério de investigação científica sobre a espiritualidade humana ou sobre os fenômenos espiritualistas, a não ser quando estes experimentos são delineados dentro dos moldes reducionistas e servem apenas para combater qualquer idéia desta natureza.
Quem quer que se dê conta desta realidade, sem muito esforço poderá descobrir inúmeros trabalhos sérios e bem fundamentados, feitos por cientistas renomados que demonstram, por exemplo, a eficácia da prece na cura física e a sobrevivência da alma após a morte do corpo físico. Porém, como a maioria de nós somos acomodados, é mais fácil deixar-nos levar pelo paradigma predominante, este que a sociedade, os nossos ídolos com pés de barro e a nossa mídia está acostumada a apresentar. Quem quiser construir uma crença mais sólida e racionalmente embasada, terá que sair de sua zona de conforto, questionar o Status quo, buscar as informações ocultadas e legítimas que fundamentarão a edificação de sua crença e isso não é uma tarefa fácil nos dias atuais. A crença mais depurada e racional é uma construção que precisa ser desenvolvida e fortalecida tanto quanto foi desenvolvida a crença no materialismo. À medida que nos deparamos com a seriedade destes temas, e ultrapassamos o mar de superstições que existe em torno da espiritualidade, poderemos vislumbrar algo sólido e real para nossas vidas.
Não se trata simplesmente de privilegiar a crença sobre a descrença, trata-se de termos a consciência crítica de que não estamos em território neutro e que desde que nascemos somos influenciados por valores materialistas e essa influência aumenta com a modernidade, com o avanço do paradigma materialista em um mundo a cada dia mais urbanizado e desconectado da natureza e dos valores tradicionais. Em uma sociedade em que o ter ocupa o espaço do ser, torna-se cada vez mais difícil alimentar qualquer forma de transcendentalidade. Vejo, por exemplo, que meus amigos dos países de primeiro mundo são extremamente mais impermeáveis a qualquer tipo de crença que os meus amigos dos países menos desenvolvidos.
A maioria das pessoas acredita que isso se dá pela superioridade da cultura daqueles países; que nós somos tupiniquins atrasados que acreditam em Deus e em bobagens deste tipo. Muitos de nós, inclusive aceita passivamente este raciocínio colonialista e engole esta idéia. O que acontece é que estas sociedades são consideradas de “primeiro mundo” justamente por haverem desenvolvido os valores de uma sociedade de consumo, valores que quase sempre nos cegam a qualquer forma de conhecimento espiritual. Não se dão conta que, apesar disso, existem entre eles os que acreditam em valores espirituais e estes estão entre os nomes mais respeitáveis. Além disso, os que vivem no “terceiro mundo”, não são ignorantes que acreditam em coisas espirituais. Frequentemente, tratam-se de pesquisadores com formação superior, em universidades que não deixam nada a desejar às do primeiro mundo, mas que viveram suas vidas em uma cultura menos corrompida pelos preconceitos materialistas, muitas vezes no meio da superstição, é verdade, mas a familiaridade com as coisas espirituais, o fato de não as vê como coisas absurdas, não os fazem rejeitarem a espiritualidade de maneira preconceituosa.
Mais uma vez voltamos à piada do psicólogo e do sujeito que achava que tinha alguém debaixo da sua cama. Tamanha era a especialização do psicólogo que ele jamais pensaria em simplesmente resolver o problema cortando os pés da cama. Como eu disse, quanto mais mergulhados em um paradigma, mais dificilmente enxergamos outras possibilidades, ainda que sejamos muito hábeis dentro de um determinado sistema de conhecimento, justamente por isso temos dificuldade de perceber as coisas sob outras perspectivas. As pessoas não explicam também, porque justamente nos países mais desenvolvidos, urbanizados e economicamente estáveis é que se encontram os maiores índices de depressão e suicídio. Alguma coisa se perdeu no meio do caminho e precisa ser resgatada. Temos de reconhecer o valor e as conquistas da ciência e da civilização moderna, não pretendemos voltar às cavernas, mas precisamos estar cientes das suas limitações, sobretudo no que se refere a atender e compreender os anseios humanos mais profundos.
Não foi a toa que Allan Kardec, o codificador do Espiritismo declarou o materialismo como o grande inimigo da humanidade. Em um belíssimo texto intitulado: “As cinco alternativas da humanidade” no livro Obras Póstumas, Kardec ressalta as opções metafísicas de crença que dispomos, demonstrando a solidez do Espiritismo diante das demais. O materialismo destrói a esperança no futuro, traz em si mesmo o veneno de sua própria destruição. Trata-se de uma terra inócua para os anseios humanos mais profundos, que esvazia a vida de propósito. O materialismo se disfarça de muitas maneiras, desde a militância ateísta até a indiferença, futilidade e superficialidade da nossa sociedade de consumo, mas é sempre o mesmo materialismo. Porém, a necessidade de sobrevivência e de realização de seus anseios abstratos, faz o homem perpetuar e aperfeiçoar a crença em uma vida mais ampla e rica de possibilidades. Livrando-se da ganga das superstições, de mãos dadas com a ciência e com a razão, construiremos uma nova era do espírito.