quinta-feira, 5 de abril de 2018

O Carma, o Balão e a Reencarnação



Um dos dilemas mais graves ao refletirmos sobre a reencarnação é a afirmação de que reencarnamos para pagar nossos erros cometidos em vidas passadas. É muito difícil para algumas pessoas aceitar a ideia de que estão aqui pagando por faltas cometidas em outras vidas, isso leva muitos a rejeitarem a crença na reencarnação. Enquanto para uns a reencarnação pode parecer uma ideia confortadora, pois lhes permite explicar a causa de seus sofrimentos, para outros lhes parece uma explicação conformista, que leva a ser humano a sujeitar-se aos problemas, por serem consequências cármicas inevitáveis.


O conceito da reencarnação nas religiões antigas parte não de uma elaboração filosófica conveniente para explicar os problemas da vida e fazê-la ter um sentido. Para muitos filósofos, os conceitos oriundos das religiões são apenas elaborações da mente humana para tentar atribuir sentido a existência física e a aniquilação pela morte. Seriam explicações que dão conforto diante das incertezas da vida. Ao invés disso, a reencarnação é um fenômeno observável desde a mais remota antiguidade. Budistas e monges tibetanos há milênios têm identificado as reencarnações de antigos lamas e monges. Mais recentemente o tema se tornou do interesse de alguns acadêmicos não religiosos como Hamendras Nat Banerjee (que foi diretor do Departamento de Parapsicologia da Universidade de Rajasthan – Índia), Ian Stevenson (neurologista e pesquisador da Universidade de Virgínia – EUA) e Hernani Guimarães Andrade (Engenheiro, parapsicólogo – Brasil), entre outros.

Esses pesquisadores investigaram milhares de casos que sugerem fortemente a reencarnação. Destacam-se os casos de crianças que se lembram de suas vidas passadas. Os pesquisadores dedicavam-se a verificar se essas lembranças eram reais ou pura imaginação. Essas investigações chegaram a milhares de casos surpreendentes onde as crianças lembravam-se de detalhes muito específicos de suas existências anteriores que eram comprovados pelos pesquisadores, além dos relatos verificados e comprovados, haviam outros elementos de comprovação como marcas de nascença que coincidiam com marcas ou traumas no corpo de quem a criança afirmava ter sido na vida passada e semelhanças físicas impressionantes entre a criança de hoje e quem ela afirmava ter sido no passado.

Então estamos tratando de um fenômeno observável e que para muitos é consequência de uma observação sistemática e não fruto da imaginação exaltada. As consequências e reflexões filosóficas em torno desse fenômeno é que progridem ao longo do tempo. Ou seja, a reencarnação é um fenômeno verificável, mas dizer por que e para que ela existe, isso é uma elaboração humana e cultural. Quando falamos de finalidades da reencarnação estamos fazendo uma interpretação de um fenômeno e essa interpretação varia de acordo com a época e com o sistema de crenças, isso considerando aquelas crenças que aceitam o fenômeno. 

O conceito de carma vem das religiões hindus e está fortemente impregnado de uma concepção fatalista da vida. Essa concepção sofre influência do milenar sistema de castas onde havia uma separação intransponível entre essas classes sociais. O carma levava a conformação e inibia a cobiça ou o desejo de mudar de casta. A cobiça e a falta de aceitação seriam a causa de muitos conflitos e infelicidades humanas. A aceitação traz a paz de espírito.

Mas essa ideia fortalecia a estrutura de uma sociedade desigual e injusta. Até os dias atuais usa-se a palavra carma. Essa ideia pode ser manipulada ou mal entendida e por ela conformar-nos diante de injustiças sociais e beneficiar as classes privilegiadas. Interpretações como essa chegam a ser cruéis porque sempre põe no indivíduo um estigma de que se ele está sofrendo é porque foi mau e merece pagar, é como se o rico e o saudável fossem sempre bons e o pobre e o doente fossem maus. O ranço da palavra carma prejudica a compreensão de interpretações mais sofisticadas do fenômeno da reencarnação, como é a visão espírita sobre o assunto. É comum mesmo entre os espíritas menos esclarecidos uma ideia fatalista da reencarnação e o uso inconsciente da palavra carma, ao invés da lei de causa e efeito ou de ação e reação fazendo uma alegoria à lei da física com o mesmo nome. 

Qual é a interpretação espírita do fenômeno da reencarnação? Especialmente, é possível aceitar a reencarnação sem nos tornarmos fatalistas e acomodados? Para responder essa questão vou desenvolver três argumentos, o primeiro fala do papel da dor em nossas vidas; o segundo fala das características da Terra enquanto mundo de provas e expiações e o terceiro é uma metáfora que criei chamada alegoria dos dois balões ou bexigas, que fala sobre o papel da fatalidade e do livre arbítrio em nossas vidas. 

Sobre o papel e significado da dor, existe uma ideia equivocada entre alguns daqueles que se interessam pelo Espiritismo que é a de que a dor é apenas o pagamento de dívidas passadas. A dor não paga dívidas, o bem é que sana nossas dívidas, a dor é apenas um sintoma de que algo está errado, seja no aspecto físico, psicológico ou espiritual. Se alguém sente dor porque enfiou um espinho em sua própria mão, a dor não é um castigo e nem o fato de se resignar na dor vai necessariamente curá-lo. É preciso retirar o espinho. A dor pode ser um estímulo para que ele retire o espinho ao invés de ficar se lamentando. A lamentação desperdiça energia que poderia ser empregada na solução do problema, e é nesse sentido que devemos nos resignar na dor, buscando soluções para saná-la e não nos conformando.

Entendamos a dor de maneira mais ampla, não apenas quando estamos passando por grandes provações morais ou dores físicas, mas, em sentido mais geral, podemos dizer que sentimos dor desde que nascemos, sofremos ao nos esforçar em dar os primeiros passos, diante das pequenas dificuldades da vida, no suor derramado no trabalho, no esforço da manutenção do corpo, no fardo de uma existência ainda muito material e imperfeita, neste sentido mais amplo, a dor é uma necessidade evolutiva e é inevitável. Não se trata de um castigo, ou pagamento, mas é apenas a impressão que nos causa o esforço pela sobrevivência, a forma como a evolução nos transforma tirando-nos de uma posição cômoda e nos fazendo progredir através da matéria.

Essa “dor evolutiva” é uma lei imposta a todas as coisas vivas. Então, o fato de sofrermos alguma enfermidade, de passarmos por algum sofrimento, não significa obrigatoriamente um pagamento de erros passados. A matéria é imperfeita e perece, para morrer antes adoecemos, é o ciclo natural da vida. O fato de considerarmos a dor algo ruim é uma interpretação da condição humana e não quer dizer que ela em si seja ruim ou boa. Qualquer atrito provoca o desgaste, mas o atrito faz parte do processo de lapidação para desvelarmos a beleza do cristal. O próprio cristal foi elaborado na natureza sob condições hostis de muita pressão e calor para se tornar belo e resistente.

O ser humano, sendo sensível ao sofrimento, é estimulado pela a dor a redefinir suas escolhas. A dor pode ser ampliada por nossos medos, a dor pode ser apenas moral e espiritual, a dor pode nos conduzir a novas escolhas conscientes e a identificar a origem de certos males.

No ser humano a capacidade de abstração, a sua subjetividade permite-lhe ampliar psicologicamente suas dores, e isso muitas vezes provoca dor e sofrimento muito maiores que a própria dor física. Outras vezes, são os nossos medos aliados à capacidade criadora de nossa mente quem gera nossas próprias doenças e enfermidades. Quantas pessoas não se desesperam com um diagnóstico de uma doença grave mesmo quando ela ainda não apresenta sintomas? Ou seja, fisicamente a pessoa não está sentindo nada, mas a notícia da doença provoca um profundo sofrimento. A nossa subjetividade nos permite refletir e saber que muitas vezes a falta de saúde é fruto do mau uso do nosso corpo nesta ou em vidas passadas. A dor física é natural, mas ela pode ser agravada por nossas más escolhas, desde o estilo de vida, alimentação, imprudências etc. Daí, quando o homem sofre ele reflete sobre as causas e escolhas passadas e quando desperta através da dor, traça um novo rumo ao seu existir. Porém, mesmo que tenhamos uma vida reta e digna, é natural que passemos por diversos desconfortos físicos sem que isso seja necessariamente produto de nossa imprudência ou algo que vem de outras vidas, mas sim, parte de um processo natural de desgaste da matéria.

Um último aspecto é que não precisamos recorrer a reencarnação para afirmar que a vida nos dá o retorno de nossas atitudes. Essa é uma lei da natureza que se aplica muito claramente quando fazemos mau uso do corpo desenvolvendo enfermidades. 

O segundo argumento é o de que a Terra é um mundo de provas e expiações. Isso significa que estamos em um mundo imperfeito onde o mal predomina sobre o bem a despeito do fato de encontrar-nos em transição para novo estágio de evolução terrestre, ainda nos encontramos apenas no início do estabelecimento desse novo estágio de evolução chamado de “regeneração”. Mas por que nascemos aqui? A grande maioria de nós nascemos em local compatível com o nosso estado de evolução, isso quer dizer que estamos onde precisamos estar e onde merecemos estar. Se fôssemos espíritos perfeitos teríamos nascido em um mundo perfeito, livre de doenças, pobreza e maldade. O fato de nascermos aqui significa que estamos susceptíveis aos problemas daqui. Se você estiver em meio ao fogo cruzado, a possibilidade é a de receber um disparo, se sair na chuva vai se molhar e se encarnar na Terra, sofrerá experiências terrestres e todas as experiências terrestres então no bojo de nossas necessidades evolutivas. Qualquer coisa que nos atinja aqui na Terra, de certa forma, faz parte do pacote de possíveis experiências deste estágio evolutivo. Um é roubado na rua, outro adoece gravemente, aquele tem desavenças na família, esse sofre dramas existenciais. Todas essas são possibilidades que podem ou não ocorrer em nossas vidas. O fato de elas acontecerem ou não, ou de acontecer qualquer outra fatalidade, pode estar relacionado com nossas escolhas, como nossa prudência ou imprudência, ou com certa aleatoriedade dos fatos, sobretudo no que se refere a pequenos percalços e aborrecimentos cotidianos que nenhuma relação tem com a lei de causa e efeito, mas sim com as experiências comuns da vida na Terra e a interpretação positiva ou negativa que atribuímos a esses fatos. Alguém que deu uma topada na calçada não está pagando pelo que fez em existências passadas, talvez esteja pagando apenas por sua distração.

Mas, e quando um determinado gênero de prova parece nos perseguir independentemente do que façamos para evitar? Parece que certos gêneros de prova perseguem algumas pessoas. Algumas coincidências parecem persistentes e intrigantes. Cai um avião e escapa apenas um único sobrevivente, outro escapou da morte de maneira inacreditável enquanto alguém morre por uma causa extremamente fútil. Para entender essas situações passemos a metáfora dos dois balões que trata de reencarnação, sincronicidade, fatalidade e livre-arbítrio.

Imaginemos dois balões cheios de ar, o primeiro foi cheio por alguém que soprou o ar de seus pulmões, o segundo foi cheio com um gás um pouco mais leve. Ambos foram cheios com o mesmo volume, parecem iguais, mas o primeiro tem tendência a cair e o segundo tem tendência a subir. Ao soltar os dois balões ao ar livre, inúmeros fatores podem interferir. O primeiro balão, ainda que seja mais pesado, pode ser tomado por uma rajada de vento que o leve para cima. Mas passada a corrente ele vai cair em algum lugar. As crianças podem brincar como ele passando de mão em mão, mas no momento em que alguém descuidar-se, ele cairá. O segundo balão pode ficar preso no teto ou atado por um barbante, mas a qualquer momento pode escapar e subirá. Podemos dizer que o destino do primeiro é cair e o do segundo é subir, ainda que esse destino não seja algo absoluto e nem esteja determinada a forma, o caminho, o momento e trajetória de queda do primeiro balão e nem da subida do segundo. É claro que os balões podem ser estourados e interrompidos os seus destinos, mas, se tudo segue sua ordem natural, a probabilidade maior é de que o primeiro caia e de que o segundo suba.

O fato de o primeiro balão tender a cair e o segundo a subir não se dá por uma força externa que determine seus destinos, mas sim pela qualidade interna deles, ou seja, por algo que trazem dentro de si. Eles só poderiam modificar seus destinos se modificassem a sua qualidade interna, ou seja, o primeiro balão só poderia destinar-se a subir se trocasse o ar pesado por ar mais leve.

Diante da reencarnação somos como balões que trazemos dentro de nós as qualidades que conduzem o rumo de nossas existências. Ao longo de nossas vidas preenchemo-nos de experiências, virtudes, culpas, conhecimentos, ignorância, habilidade, defeitos, lembranças, preferências e tendências. O peso dessas experiências pode puxar-nos para cima ou para baixo e até mesmo definir trajetos muito específicos. Quando reencarnamos, de acordo com a natureza de nossas experiências passadas, temos previsões de fatos prováveis para a nossa vida. O desenrolar desses fatos pode ser direcionado pela ajuda dos nossos irmãos espirituais, isso é o que chamamos de planejamento reencarnatório, o que não significa que os espíritos determinem nosso destino, mas sim que direcionem nossas experiências dentro da tendência natural que trazemos. 

Se formos um balão que tende a subir, os espíritos podem influir na rota da subida, eles podem facilitar e desobstruir a rota de subida, ou retardar a subida com obstáculos, mas se o que trazemos dentro de nós nos leva a subir, subiremos. O que não podem os espíritos é mudar nossa essência e redefinir nosso destino. Isso, apenas nós mesmos podemos fazer através de nossas escolhas. E é esse o sentido espírita da reencarnação, o de mudar a nossa essência e redefinir nosso destino.

Se ao contrário trazemos um conteúdo de experiências carregado de culpa e erros, por mais que consigamos nos manter por cima com muito esforço, cedo ou tarde, cairemos como se a queda fosse um fantasma a nos perseguir. E novamente, a única maneira de evitar a queda é nos preencher de uma nova essência através de experiências positivas que nos elevem acima do ciclo repetitivo de algumas experiências negativas.

Tratamos da metáfora do balão apenas no sentido de subir ou descer, porque é mais fácil compreender que estamos sob a influência de tendências que vêm de nós mesmos e que influem fortemente nas experiências que vamos viver, mas não determinam de maneira absoluta nossos destinos e nem se trata de uma situação irremediável sobre a qual nada pode ser feito. Porém, quando transportamos essa metáfora para a realidade humana, as coisas não se dão apenas no sentido de subir ou descer. A nossa bagagem interior (de maneira central e determinante), aliada as experiências da vida terrestre, a influência do planejamento reencarnatório e intervenção do mundo espiritual (de maneira secundária e influente), podem direcionar-nos a experiências incrivelmente específicas muito semelhantes ao que Jung chamou de sincronicidade, embora admitamos que isso não corresponde exatamente a ideia de Jung.

Assim, parecemos destinados a conhecer certas pessoas, ter determinado emprego, viver uma experiência específica como um acidente de carro ou estar em meio a um assalto a banco, sofrer um acidente de avião ou encontrar o amor de nossas vidas. Os fatos se desenrolam naturalmente e naturalmente algumas pessoas parecem destinadas a certas sortes ou azares, sem que haja explicação lógica para o assunto. Nesse sentido é que podemos afirmar que nada acontece por acaso, o que é muito diferente de achar que cada passo, que cada piscar de olhos já estava determinado. 

O destino é como uma corrente que parte de nós mesmos e nos arrasta consciente ou, como na grande maioria das vezes, inconscientemente. Somos atraídos por certas coisas, por certos sabores, por certas pessoas, por alguns lugares, por algumas ocupações. Uma bifurcação na estrada, escolhemos o caminho da direita sem saber que nos sentimos atraídos por esse caminho porque é ele que contém as experiências compatíveis ou afins, aquelas experiências que inconscientemente buscamos, para nos gratificarmos ou nos punirmos por nossas próprias culpas. 

A escolha por nossos caminhos se dá todos os dias de nossa existência física e espiritual. Muitos de nós escolhemos nascer onde nascemos e viver determinadas experiências pela necessidade de mudar. A dor é um recurso de que se utiliza a natureza para estimular-nos a mudança ou a buscar a cura. Antes de reencarnamos escolhemos determinadas situações felizes ou infelizes como um impulso necessário para nossa transformação, quando ainda somos incapazes de mudar nossa essência apenas pelos nossos esforços. Outros, inconscientemente são arrastados para situações de sofrimento por suas escolhas e pela maneira que se preencheram. 

A influência do mundo espiritual pode afastar-nos temporariamente de uma queda na expectativa de que nos esforcemos para mudar nossa essência, é como se segurassem o balão para ele não cair no chão. É o caso de alguém de tem uma carga de experiências negativas muito grande, mas se encontra muito bem neste momento. Porém, os espíritos não nos sustentam eternamente. Se não estamos dispostos a mudar em um determinado momento eles soltam o balão a sua própria sorte. Se aproveitarmos o tempo em que estamos bem para mudar a nossa essência, quando formos largados a própria sorte, subiremos, porque adquirimos luz própria, do contrário, cairemos rapidamente.

Uma pessoa com uma carga reencarnatória positiva pode está presa a uma situação difícil como um balão que ficou preso no teto e não consegue atingir os céus. Ele está preso às circunstâncias, pode até permanecer preso por toda uma vida, mas cedo ou tarde se libertará e ganhará os céus. Às vezes, deter-se em alguns obstáculos é uma escolha própria que se faz por amor. Uma mãe bondosa que cuida do seu filho desajustado que caiu em desgraça, um bem feitor da humanidade ou espírito evoluído que decidiu reencarnar na Terra para colaborar com o progresso da humanidade. Os que adiam o usufruto de sua felicidade para socorrer os que sofrem, enchem-se de uma essência ainda mais sutil que os eleva rapidamente aos mais altos dos céus.

É por isso que, em qualquer circunstância que nos encontremos a caridade é o mais sublime instrumento para reprogramar os nossos destinos e elevar-nos acima de qualquer sofrimento. Não existe essência mais sublime que o bem, e mesmo quando ainda temos imperfeições dentro de nós mesmos, se cultivarmos um pouco a essência do bem em nossos corações, nos elevaremos acima das desgraças da alma humana e nos sentiremos exitosos ainda que não tenhamos atingido a perfeição.